segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Cantiga de Amor

É inegável que há nas cantigas de amor galego-portuguesas uma avassaladora influência provençal. Não se trata de uma experiência sentimental a dois, mas de uma aspiração, sem correspondência, a um objeto inatingível, de um estado de tensão que, para permanecer, nunca pode chegar ao fim do desejo. Manter este estado de tensão parece ser o ideal do verdadeiro amador e do verdadeiro poeta como se o movesse o amor do amor, mais do que o amor a uma mulher. O trovador imagina a dama como um suserano a quem a servia numa atitude submissa de vassalo, confiando seu destino à senhora. (SARAIVA, p. 61).

A presença de atitudes mentais e arraigadas no passado registra a historicidade do homem, dá a dimensão dos legados de outrora que tanto influenciam o imaginário presente. Ser vassalo da amada, perceber-se só quando da ausência do ente amado, cantar o amor e sofrer pelo intangível são sentimentos atemporais, inerentes à época do Trovadorismo ou da Música Popular Brasileira (iniciada na década de 1960, em pleno período da Ditadura Militar no Brasil). Chico e Caetano cantam o amor assim como D. Dinis também cantava para sua amada. Os versos “Um amor assim tão delicado/ você pega e despreza/ não devias ter despertado/ ajoelha e não reza”, cantados por Caetano – da música Queixa – reacendem-se, portanto, do lírico de D. Dinis: “querede-vos de min doer/ e destes olhos meus, senhor/ que vos viron por mal de si,/ quando vos viron, e por mi.” (DOM DINIS, 2006, p. 24). Eis, aqui, os resíduos literários do medievo demarcados de modo explícito na MPB. Ser abandonado pela amada, sofrer por amor, não é um fato restrito à Idade Média; chega, pois, à música de Caetano séculos depois.

Cantar a realidade feminina – mesmo que sob a voz masculina – é a essência das cantigas de amigo: “Se saberes novas do meu amado,/ aquel que mentiu do que mi á jurado?/ ai, Deus, e u é?” (DOM DINIS, 1999, p. 155) e “Onde andará Nicanor?/ Tinha nó de marinheiro/ Quando amarrava um amor” – da música Nicanor –, de Chico Buarque, representam, em espaços temporais distintos, o cunho da afetividade, do amor sofrido, do querer o outro que está ausente. Querer o outro/ amado é um objeto de desejo quase intangível: a saudade massacra o coração, o vazio domina a alma e o sentimento aflora no peito a dor da ausência. O sofrimento da solidão e a busca pela completude de si mesmo atingem os céus: Deus é evocado para curar esse vazio, trazer o amado e confortar o ente saudoso. Dom Dinis quer “novas” do “amado” e Chico quer notícias de “Nicanor”, que “amarrava um amor”. Sentimentos aflorados e musicados nas cantigas de amigo – do Trovadorismo à MPB.

Este é um outro exemplo que evidencia a ponte existente entre as produções antigas medievais e a contemporaneidade, visto entre a cantiga de Dom Dinis e a música de Caetano Veloso — forte nome na MPB.

Referências:
<http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/producoes_pde/artigo_nelvi_malokowsky.pdf > Acesso em: 23 set. 2016.
<http://www.undb.edu.br/publicacoes/arquivos/14_-_a_residualidade_literaria_das_cantigas_trovadorescas_na_musica_popular_brasileira.pdf> Acesso em: 23 de Setembro de 2016.
MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa através dos textos. 30. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
VELOSO, Caetano. Letras de músicas. Disponível em: <letras.terra.com.br/caetanoveloso/>. Acesso em: 23 set. 2016.


  

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