domingo, 25 de setembro de 2016




Cantiga de amor de Bernal de Bonaval¹


A dona que eu am'e tenho por senhor 

amostrade-mi-a, *Deus, se vos en² prazer for³, 

senom dade-mi a morte. 



A que tenh'eu por lume destes olhos meus 

e por que choram sempr', amostrade-mi-a, *Deus, 

senom dade-mi a morte. 



Essa que vós fezestes melhor parecer 

de quantas sei, ai, Deus!, fazede-mi-a veer, 

senom dade-mi a morte. 



Ai *Deus! que mi a fezestes mais ca mim amar

mostrade-mi-a, u possa com ela falar, 

senom dade-mi a morte.


Vocabulário:
¹ Segrel galego, século XIII.
² en= disso, disto
³ seer prazer: agradar a
mais do que a mim mesmo
u=onde


A cantiga de amor apresentada acima tem tendência paralelística, contém 4 cobras singulares de 3 palavras cada e um refrão monástico. Sendo uma cantiga de amor, há a presença da coita amorosa — o sofrimento do amado por não poder ver sua amada. *Deus aparece como vocativo movimentado-se ao longo da cantiga. Inicialmente, aparece no meio do primeiro verso da primeira estrofe, depois no final do segundo verso da segunda estrofe e por último, no início do primeiro verso da quarta estrofe. Na última ocorrência, aparece tendo uma posição privilegiada, o que evidencia o aumento da emoção e do desespero do eu lírico. 

Na primeira estrofe, o eu lírico pede à Deus que permita que a amada se mostre trazendo em foco o sentido da visão, que é parte do amor espiritual — distante/não há toque). Completa dizendo que se Deus não permitir que ele a veja, o eu lírico prefere a morte. Porém, já na terceira estrofe, o amante pede à Deus que interfira na sua visão e na quarta solicita falar com a amada. Assim, passa para o sentido da audição, que apresenta maior proximidade física do que a visão. Através dessa mudança, percebe-se a passagem de um "amour de loin" (amor à distância) caminhando para um desejo de realização desse amor. Para representar essa tensão/emoção do eu lírico, tem-se a variação entre rimas graves e agudas.

Rimas graves: rimas entre palavras paroxítonas
Rimas agudas: rimas entre palavras oxítonas

Referências bibliográficas:
*Aulas ministradas pelo professor Fernando Fiorese na matéria Estudos Literários II, na UFJF
<http://cantigas.fcsh.unl.pt/autor.asp?cdaut=22&pv=sim> Acesso em: 19/09/2016


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