segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Cantiga de Amigo

A base do poema da cantiga de amigo é representada pelo sofrimento amoroso da mulher, geralmente pertencente às camadas populares (pastoras, camponesas e outras). Quer como altamente idealizada, enquanto dama da corte, quer como mulher do povo em ambiente rural ou urbano, ela geralmente foi retratada por um eu lírico, cuja voz feminina pautava-se submetida a um discurso de autoria masculina.

Especificamente nas cantigas, há uma voz do feminino que se mostra por meio um eu lírico que canta suas tristezas, sua solidão e suas emoções em relação ao amigo. Entretanto, a voz autoral pertence ao trovador, cujo imaginário se ramifica pela representação artística e pelo fingimento poético. Se na cantiga de amigo a voz autoral é masculina, deve haver, em razão da impossibilidade de uma absoluta transformação do eu no alter do outro, um comprometimento da visão do trovador acerca da mulher, relativamente às suas prerrogativas ideológicas e políticas. Sendo as coisas mimeticamente assim representadas, pensamos que alguma reflexão deve ser dedicada ao fato de as imagens ou topoi das cantigas de amigo (natureza, espaço, descrição física da amiga), cunhadas pelo trovador, poderem possuir um tratamento estilístico e retórico que se compromete com a visão androcêntrica e, portanto, possivelmente preconceituosa em termos misóginos.

Além disso, ao considerar a característica dualidade da mulher boa (virtuosa) e má (viciosa) no pensamento e na cultura medievais de herança patrística, é de se cogitar que as idealizações das cantigas de amor tendem para um retrato virginal e mariano da mulher. Ao passo que as cantigas de amigo, ainda seguindo o rescaldo negativo do platonismo, tendem a retratá-la mais realisticamente, portanto, de forma mais carnal e sensorializada: a sua face negativa enquanto corpo sinonimizado ao vício, à Eva propriamente dita.

Desse modo, as cantigas de amigo, interesse principal desta postagem, parecem representar mais fielmente esse segundo termo da dualidade. Já que esse tipo de cantiga traz elementos que permitem o trato da relação analógica entre concreto e profano, um exame mais detalhado dessa problemática da dualidade merece ser feito.

Referências:
NUNES, José Joaquim. Cantigas d’amigo dos trovadores galego-portugueses. Lisboa: Centro do Livro Brasileiro, 1973. 3 v.
<http://www.revistas2.uepg.br/index.php/uniletras/article/viewFile/4620/3163> Acesso em: 18 set. 2016

Nenhum comentário:

Postar um comentário